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domingo, 21 de abril de 2013

ESTADO, DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE: REFLEXÕES DE UM DEBATE*


Se buscarmos compreender as relações entre sociedade e natureza ao longo da história, como processos que são reflexos dos modos de produção estabelecidos, verificaremos que com o surgimento das sociedades industriais o capital se tornou o elemento impulsionador deste processo, patrocinando modificações no meio ambiente de forma intensa e num ritmo super-acelerado, em comparação as sociedades pré-industriais. O ideal de progresso e desenvolvimento econômico promove ao mesmo tempo um processo de urbanização acelerada e um elevado consumo de energia e matérias-primas; requer também um estilo de vida altamente consumista para estimular o aumento da produção das atividades comercias e financeiras. Consequentemente, esse ideal de desenvolvimento econômico gera grandes e graves problemas ambientais e sociais que vão desde o aumento do lixo produzido pelos indivíduos, que reflete na contaminação do ar, solo e das águas até a extinção de florestas, animais e na possibilidade de modificação climática global, além das altas taxas de desemprego, miséria, injustiça social, entre outros.

O agravamento destes problemas nas últimas décadas e o aparecimento e crescimento da mobilização de diversos segmentos populacionais organizados, como é o caso dos movimentos ambientalistas, feministas, sindicais, etc, caracteriza a atual crise sócio-ambiental em que vivemos e, ao mesmo tempo indica o esgotamento do estilo de desenvolvimento predominante até então, sugerindo uma revisão crítica das teorias e das práticas de desenvolvimento econômico, industrial e tecnológico por qual passamos, assim como dos indicadores socioambientais que representam o desenvolvimento de uma sociedade.

Os aspectos sociais sempre estiveram atrelados a como o homem utilizou e utiliza o meio ambiente. No final do século XX, por exemplo, mais especificamente nos anos oitenta e noventa, houve uma relativa melhoria nas taxas de escolarização obrigatória; criação de novas escolas e universidades, que culminou no aumento de vagas no ensino em geral; incorporação de medidas democráticas nas instituições públicas e privadas; autonomia social e a conquista de eleições diretas para a escolha dos governantes. Contudo, nem todas as políticas sociais implementadas nos últimos anos contribuíram de forma satisfatória para a melhoria da qualidade de vida da sociedade como um todo, mas sim para uma pequena parcela da população, principalmente quando observamos a questão ambiental. Por exemplo, grande parte das cidades brasileiras ainda não tem saneamento básico regular onde, a maior parte do lixo urbano é depositada a céu aberto; falta de água tratada para todos, aumento nos índices de desmatamento das florestas, etc.

Na área de saúde não foram registradas medidas significativas de impacto na melhoria das condições de atendimento. Este fato pode ser notado em qualquer visita que tenha por objetivo verificar a qualidade no atendimento às populações menos favorecidas das periferias das cidades. Ainda que algumas tímidas ações tenham sido estabelecidas nas zonas urbanas de algumas capitais. Em se tratando de trabalho e emprego, ou a falta deste, verifica-se que desde o ano de 2001, mais de 150 mil pessoas viviam da coleta e venda de latas de alumínio no Brasil, essa estimativa só aumentou nos anos subsequentes, ficando o Brasil com o título de país que mais recicla este tipo de lata no mundo. Uma vitória, ou a confirmação de que ainda falta muito emprego em nosso país?, visto que nesta chamada economia (in)visível do mercado informal o individuo não tem carteira assinada, não possui vínculo empregatício com seus direitos trabalhistas, muito menos a garantia de uma renda segura ao final do dia.

Todos estes aspectos de desleixo do Estado para com o “welfare state”, ou a condição de bem estar social, também tem reflexo no meio ambiente, como forma de poluição, desmatamento, extinção de parte da flora e da fauna, e até na teoria de que vivemos atualmente em um período de mudança climática global, causada principalmente pela ação do homem. Ou seja, refletindo em numerosos problemas tanto no ponto de vista ambiental quanto social. Fatos nos demonstram que as catástrofes ambientais só tem aumentado nos últimos anos, com consequências prejudiciais à saúde humana, que já exigiu sacrifícios de milhares de pessoas pelo mundo todo.

Toda essa preocupação com a problemática ambiental e social tem a ver com o que se convencionou denominar de “desenvolvimento sustentável”, entendido como o desenvolvimento que satisfaz as necessidades da geração presente sem comprometer as possibilidades das futuras gerações em satisfazerem suas necessidades. Que contrapõe o almejado crescimento apenas econômico e da visibilidade à possibilidade de equidade social e preservação/conservação ambiental. Contudo, nos últimos 20 anos, esse discurso vem se tornado apenas mais um jargão publicitário de grandes empresas e países, cujo principal objetivo a ser perseguido, não tem relação com a possibilidade de se garantir melhor qualidade de vida para a sociedade humana em geral. Assim sendo, como e até que ponto se deve preservar o meio ambiente para gerar qualidade de vida satisfatória para as gerações presentes e futuras? Diante desse cenário incerto o que queremos? As discussões acerca da solução apontam para a criação de novas diretrizes para o desenvolvimento econômico, social, ambiental e político dos países, que tenham como parâmetros o respeito à natureza e aos seres humanos.


Por: Christian Nunes da Silva
 
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* Publicado em originalmente em: SILVA, C. N. Estado e Desenvolvimento: reflexões de um debate. O Espaço do Geógrafo. Bauru, v. 37, 2005. p. 3 - 3.

segunda-feira, 8 de abril de 2013

OCUPAÇÃO HUMANA E MODO DE VIDA NA AMAZÔNIA: BREVES CONSIDERAÇÕES *



A relação homem-natureza sempre se deu de forma muito complexa. Desde os tempos pré-históricos da sociedade humana, onde pode-se afirmar ter existido uma suposta sujeição do homem ao meio-ambiente, encontrando-se indícios que levaram alguns teóricos a afirmar um “determinismo geográfico”, exercido pela natureza sobre o homem. Este é o caso do alemão Friedrich Ratzel, que ao formular suas teorias sobre o meio ambiente e o homem, afirmou ser o homem um ente determinado por condições climáticas, ou outros fatores naturais. Outros estudiosos, como o francês Paul Vidal de La Blache, defendiam a teoria do Possibilismo Geográfico, afirmando o homem como aquele no qual a natureza se encontraria como uma fornecedora de possibilidades e não a agente determinante do meio ambiente sobre o homem.

Ao se analisar o modo de vida do caboclo e o seu papel nas atividades produtivas, vemos importantes características deste individuo como modeladoras da configuração sócio-territorial da Amazônia brasileira. Assim, as atividades realizadas pelos caboclos e caboclas amazônicos determinam o próprio relacionamento com o meio ambiente, o direcionamento da produção e, consequentemente, da subsistência familiar, e a inserção na economia da região. Sendo que, essa organização espacial dos habitantes da região amazônica, com ênfase ao caboclo, segue em muito a oportunidade de geração de renda de acordo com a disponibilidade dos recursos naturais locais, com destaque para ocupações em áreas de terras baixas (várzea, praias), em áreas altas e secas (terra-firme), além dos espaços envolvendo esses dois ecossistemas, onde o meio em que o homem vive e as formas que ele produz e reproduz sua subsistência determinam seu modo de vida.

Ao pensarmos na Amazônia devemos considerar os modos de vida da civilização local e anterior ao dito “descobrimento”, ou seja, dos índios, que foram incorporando novas culturas e assim criando uma “padronização”, no que diz respeito às características próprias para a região, porém, com aspectos similares a outros grupos em outras regiões do país. É nesta perspectiva que Charles Wagley observou em meados do século passado que existe um modo de vida distintamente tropical, com características próprias, tanto no sistema produtivo agropecuário ou extrativista, como no meio de transporte utilizado na Amazônia, por exemplo, em que os habitantes da Amazônia agregam ao seu cotidiano o rio, como sendo sua rua, seu local de comercialização e por onde o cotidiano caboclo se passa.

A partir da assimilação do conhecimento dos índios nativos que ocupavam o ambiente de várzea do amazonas e com padrões impostos pelo antigo sistema colonial, o caboclo desenvolveu um sistema adaptativo próprio de aproveitamento de recursos que possibilitaram-lhe o desenvolvimento e a combinação de várias atividades de subsistência. Desse modo, tem-se a caça, a pesca, o cultivo da mandioca (Manihot utilíssima) e a extração de alguns recursos da floresta de várzea e de terra-firme, que permitiram a esses individuos viabilizar sua auto-suficiência e relativa independência de mercados externos, como ocorreu no apogeu a borracha no inicio do séc. XX.

Com base nessa tradição adquirida no uso dos recursos naturais que as populações caboclas amazônidas, ribeirinhas aos rios ou não, começaram também a serem conhecidas como populações tradicionais. Essas populações tradicionais amazônidas desenvolveram uma série de práticas comuns à região, em que a utilização dos recursos naturais pelo caboclo amazônida demonstra a combinação de diversos costumes dos grupos étnicos, dos quais o caboclo sofreu influencia no passado. A maneira de como o caboclo pesca ou prepara sua comida, tem tanto a característica do índio, do africano, do europeu e do nordestino brasileiro. Esse amalgama cultural vem constantemente sofrendo influencia das novas tecnologias exteriores ao meio rural amazônida, fazendo com que o caboclo absorva novos paradigmas culturais, que influenciam em seus padrões comportamentais como, por exemplo, a utilização de novos materiais na pesca artesanal, na agropecuária, ou na aquisição de novos equipamentos, como o barco motorizado, televisão e de outros eletrodomésticos, os quais vão alterar o ritmo e a velocidade da produção realizada pelas populações caboclas.

O conhecimento do modo de vida do homem na Amazônia deve fornecer aos elaboradores/gestores de Políticas Públicas os indícios do que deverá ser modificado, para que possam ser melhorados os modos de vida das populações residentes na região. Esse (re)conhecimento permitirá prever algumas das reações provocadas com a introdução de novos elementos na cultura amazônica. Nessa perspectiva, o estudo de populações amazônidas ajuda a entender o comportamento e a buscar benefícios para os moradores de toda a região, onde os problemas enfrentados são similares como, por exemplo, da falta de infra-estrutura técnica para a produção pesqueira, aquícola ou agropecuária, apoio técnico na resolução de problemas relacionados com o meio ambiente, a falta de saneamento básico, a criação de meios de transportes eficazes e adaptados às necessidades locais, além da melhoria no precário sistema de segurança pública, entre outros.

Então, reconhecer o modo de vida tradicional do caboclo amazônida é um instrumento metodológico para se visualizar as territorialidades exercidas por esses habitantes. Pois os modos de vida criam hábitos e costumes identificados espacialmente, ou seja, territorializados que se manifestam no espaço e agregam aos seus cotidianos novos usos e novas formas de se manejar os recursos naturais.


Por: Christian Nunes da Silva 
 


* Esse texto trata-se de uma síntese de um artigo completo que foi publicado originalmente sob o título “Ocupação humana e modo de vida na Amazônia”. Revista Vivência. nº. 35. Natal: UFRN, 2008.