A relação homem-natureza sempre se deu
de forma muito complexa. Desde os tempos pré-históricos da sociedade humana,
onde pode-se afirmar ter existido uma suposta sujeição do homem ao meio-ambiente,
encontrando-se indícios que levaram alguns teóricos a afirmar um “determinismo
geográfico”, exercido pela natureza sobre o homem. Este é o caso do alemão
Friedrich Ratzel, que ao formular suas teorias sobre o meio ambiente e o homem,
afirmou ser o homem um ente determinado por condições climáticas, ou outros
fatores naturais. Outros estudiosos, como o francês Paul Vidal de La Blache,
defendiam a teoria do Possibilismo
Geográfico, afirmando o homem como aquele no qual a natureza se encontraria
como uma fornecedora de possibilidades
e não a agente determinante do meio ambiente sobre o homem.
Ao se analisar o modo de vida do
caboclo e o seu papel nas atividades produtivas, vemos importantes
características deste individuo como modeladoras da configuração sócio-territorial
da Amazônia brasileira. Assim, as atividades realizadas pelos caboclos e
caboclas amazônicos determinam o próprio relacionamento com o meio ambiente, o
direcionamento da produção e, consequentemente, da subsistência familiar, e a
inserção na economia da região. Sendo que, essa organização espacial dos
habitantes da região amazônica, com ênfase ao caboclo, segue em muito a
oportunidade de geração de renda de acordo com a disponibilidade dos recursos
naturais locais, com destaque para ocupações em áreas de terras baixas (várzea,
praias), em áreas altas e secas (terra-firme), além dos espaços envolvendo
esses dois ecossistemas, onde o meio em que o homem vive e as formas que ele
produz e reproduz sua subsistência determinam seu modo de vida.
Ao pensarmos na Amazônia devemos
considerar os modos de vida da
civilização local e anterior ao dito “descobrimento”, ou seja, dos índios, que
foram incorporando novas culturas e assim criando uma “padronização”, no que
diz respeito às características próprias para a região, porém, com aspectos
similares a outros grupos em outras regiões do país. É nesta perspectiva que Charles
Wagley observou em meados do século passado que existe um modo de vida
distintamente tropical, com características próprias, tanto no sistema
produtivo agropecuário ou extrativista, como no meio de transporte utilizado na
Amazônia, por exemplo, em que os habitantes da Amazônia agregam ao seu
cotidiano o rio, como sendo sua rua, seu local de comercialização e por onde o
cotidiano caboclo se passa.
A partir da assimilação do
conhecimento dos índios nativos que ocupavam o ambiente de várzea do amazonas e
com padrões impostos pelo antigo sistema colonial, o caboclo desenvolveu um sistema adaptativo próprio de
aproveitamento de recursos que possibilitaram-lhe o desenvolvimento e a
combinação de várias atividades de subsistência. Desse modo, tem-se a caça, a
pesca, o cultivo da mandioca (Manihot
utilíssima) e a extração de alguns recursos da floresta de várzea e de
terra-firme, que permitiram a esses individuos viabilizar sua auto-suficiência
e relativa independência de mercados externos, como ocorreu no apogeu a
borracha no inicio do séc. XX.
Com base nessa tradição adquirida no
uso dos recursos naturais que as populações caboclas amazônidas, ribeirinhas
aos rios ou não, começaram também a serem conhecidas como populações
tradicionais. Essas populações tradicionais amazônidas desenvolveram uma série
de práticas comuns à região, em que a utilização dos recursos
naturais pelo caboclo amazônida demonstra a combinação de diversos costumes dos
grupos étnicos, dos quais o caboclo sofreu influencia no passado. A maneira de
como o caboclo pesca ou prepara sua comida, tem tanto a característica do
índio, do africano, do europeu e do nordestino brasileiro. Esse amalgama
cultural vem constantemente sofrendo influencia das novas tecnologias
exteriores ao meio rural amazônida, fazendo com que o caboclo absorva novos
paradigmas culturais, que influenciam em seus padrões comportamentais como, por
exemplo, a utilização de novos materiais na pesca artesanal, na agropecuária,
ou na aquisição de novos equipamentos, como o barco motorizado, televisão e de outros
eletrodomésticos, os quais vão alterar o ritmo e a velocidade da produção
realizada pelas populações caboclas.
O conhecimento do
modo de vida do homem na Amazônia deve fornecer aos elaboradores/gestores de
Políticas Públicas os indícios do que deverá ser modificado, para que possam
ser melhorados os modos de vida das populações residentes na região. Esse (re)conhecimento
permitirá prever algumas das reações provocadas com a introdução de novos
elementos na cultura amazônica. Nessa perspectiva, o estudo de populações
amazônidas ajuda a entender o comportamento e a buscar benefícios para os
moradores de toda a região, onde os problemas enfrentados são similares como,
por exemplo, da falta de infra-estrutura técnica para a produção pesqueira,
aquícola ou agropecuária, apoio técnico na resolução de problemas relacionados
com o meio ambiente, a falta de saneamento básico, a criação de meios de
transportes eficazes e adaptados às necessidades locais, além da melhoria no
precário sistema de segurança pública, entre outros.
Então, reconhecer o
modo de vida tradicional do caboclo amazônida é um instrumento metodológico
para se visualizar as territorialidades exercidas por esses habitantes. Pois os
modos de vida criam hábitos e costumes identificados espacialmente, ou seja,
territorializados que se manifestam no espaço e agregam aos seus cotidianos
novos usos e novas formas de se manejar os recursos naturais.
Por: Christian Nunes da Silva
* Esse texto trata-se de uma síntese de
um artigo completo que foi publicado originalmente sob o título “Ocupação
humana e modo de vida na Amazônia”. Revista Vivência. nº. 35. Natal: UFRN, 2008.
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