segunda-feira, 8 de abril de 2013

OCUPAÇÃO HUMANA E MODO DE VIDA NA AMAZÔNIA: BREVES CONSIDERAÇÕES *



A relação homem-natureza sempre se deu de forma muito complexa. Desde os tempos pré-históricos da sociedade humana, onde pode-se afirmar ter existido uma suposta sujeição do homem ao meio-ambiente, encontrando-se indícios que levaram alguns teóricos a afirmar um “determinismo geográfico”, exercido pela natureza sobre o homem. Este é o caso do alemão Friedrich Ratzel, que ao formular suas teorias sobre o meio ambiente e o homem, afirmou ser o homem um ente determinado por condições climáticas, ou outros fatores naturais. Outros estudiosos, como o francês Paul Vidal de La Blache, defendiam a teoria do Possibilismo Geográfico, afirmando o homem como aquele no qual a natureza se encontraria como uma fornecedora de possibilidades e não a agente determinante do meio ambiente sobre o homem.

Ao se analisar o modo de vida do caboclo e o seu papel nas atividades produtivas, vemos importantes características deste individuo como modeladoras da configuração sócio-territorial da Amazônia brasileira. Assim, as atividades realizadas pelos caboclos e caboclas amazônicos determinam o próprio relacionamento com o meio ambiente, o direcionamento da produção e, consequentemente, da subsistência familiar, e a inserção na economia da região. Sendo que, essa organização espacial dos habitantes da região amazônica, com ênfase ao caboclo, segue em muito a oportunidade de geração de renda de acordo com a disponibilidade dos recursos naturais locais, com destaque para ocupações em áreas de terras baixas (várzea, praias), em áreas altas e secas (terra-firme), além dos espaços envolvendo esses dois ecossistemas, onde o meio em que o homem vive e as formas que ele produz e reproduz sua subsistência determinam seu modo de vida.

Ao pensarmos na Amazônia devemos considerar os modos de vida da civilização local e anterior ao dito “descobrimento”, ou seja, dos índios, que foram incorporando novas culturas e assim criando uma “padronização”, no que diz respeito às características próprias para a região, porém, com aspectos similares a outros grupos em outras regiões do país. É nesta perspectiva que Charles Wagley observou em meados do século passado que existe um modo de vida distintamente tropical, com características próprias, tanto no sistema produtivo agropecuário ou extrativista, como no meio de transporte utilizado na Amazônia, por exemplo, em que os habitantes da Amazônia agregam ao seu cotidiano o rio, como sendo sua rua, seu local de comercialização e por onde o cotidiano caboclo se passa.

A partir da assimilação do conhecimento dos índios nativos que ocupavam o ambiente de várzea do amazonas e com padrões impostos pelo antigo sistema colonial, o caboclo desenvolveu um sistema adaptativo próprio de aproveitamento de recursos que possibilitaram-lhe o desenvolvimento e a combinação de várias atividades de subsistência. Desse modo, tem-se a caça, a pesca, o cultivo da mandioca (Manihot utilíssima) e a extração de alguns recursos da floresta de várzea e de terra-firme, que permitiram a esses individuos viabilizar sua auto-suficiência e relativa independência de mercados externos, como ocorreu no apogeu a borracha no inicio do séc. XX.

Com base nessa tradição adquirida no uso dos recursos naturais que as populações caboclas amazônidas, ribeirinhas aos rios ou não, começaram também a serem conhecidas como populações tradicionais. Essas populações tradicionais amazônidas desenvolveram uma série de práticas comuns à região, em que a utilização dos recursos naturais pelo caboclo amazônida demonstra a combinação de diversos costumes dos grupos étnicos, dos quais o caboclo sofreu influencia no passado. A maneira de como o caboclo pesca ou prepara sua comida, tem tanto a característica do índio, do africano, do europeu e do nordestino brasileiro. Esse amalgama cultural vem constantemente sofrendo influencia das novas tecnologias exteriores ao meio rural amazônida, fazendo com que o caboclo absorva novos paradigmas culturais, que influenciam em seus padrões comportamentais como, por exemplo, a utilização de novos materiais na pesca artesanal, na agropecuária, ou na aquisição de novos equipamentos, como o barco motorizado, televisão e de outros eletrodomésticos, os quais vão alterar o ritmo e a velocidade da produção realizada pelas populações caboclas.

O conhecimento do modo de vida do homem na Amazônia deve fornecer aos elaboradores/gestores de Políticas Públicas os indícios do que deverá ser modificado, para que possam ser melhorados os modos de vida das populações residentes na região. Esse (re)conhecimento permitirá prever algumas das reações provocadas com a introdução de novos elementos na cultura amazônica. Nessa perspectiva, o estudo de populações amazônidas ajuda a entender o comportamento e a buscar benefícios para os moradores de toda a região, onde os problemas enfrentados são similares como, por exemplo, da falta de infra-estrutura técnica para a produção pesqueira, aquícola ou agropecuária, apoio técnico na resolução de problemas relacionados com o meio ambiente, a falta de saneamento básico, a criação de meios de transportes eficazes e adaptados às necessidades locais, além da melhoria no precário sistema de segurança pública, entre outros.

Então, reconhecer o modo de vida tradicional do caboclo amazônida é um instrumento metodológico para se visualizar as territorialidades exercidas por esses habitantes. Pois os modos de vida criam hábitos e costumes identificados espacialmente, ou seja, territorializados que se manifestam no espaço e agregam aos seus cotidianos novos usos e novas formas de se manejar os recursos naturais.


Por: Christian Nunes da Silva 
 


* Esse texto trata-se de uma síntese de um artigo completo que foi publicado originalmente sob o título “Ocupação humana e modo de vida na Amazônia”. Revista Vivência. nº. 35. Natal: UFRN, 2008.

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