quarta-feira, 26 de junho de 2013

O ECOTURISMO E SUA IMPLEMENTAÇÃO PARA O USO SUSTENTÁVEL DOS RECURSOS NATURAIS*



A atividade turística, por muito tempo, teve sua vinculação direta com modelos predatórios de utilização dos recursos naturais. Esse fato deve-se pelo modo como eram, e em muitos locais ainda são, realizadas as atividades turísticas e pela própria maneira do turista se relacionar com o meio ambiente, na maioria das vezes de forma errônea, sujando e degradando o local por onde passava. Contudo, práticas que aliam o lazer dos praticantes do chamado “turismo ecológico” e a manutenção dos recursos naturais podem ser notadas mais facilmente no momento hodierno do que em períodos anteriores, principalmente, a partir da década de 60. Dessa forma, surge a possibilidade de unir e/ou aliar os preceitos do dito desenvolvimento sustentável aos quereres dos turistas que visitam paisagens cênicas e outros atrativos turísticos naturais (praias, lagos, montanhas, igarapés, cachoeiras, etc), por meio do que se começou a chamar de turismo sustentável ou então de ecoturismo, considerando que, a atividade do ecoturismo deve ser realizada como uma forma de utilização racional dos recursos naturais, de apreciação desses recursos sem a predação dos mesmos. Isto é, onde o praticante da atividade ecoturística deve buscar, primeiramente, a apreciação dos recursos naturais – das paisagens cênicas e da vida selvagem, deixando-os com impacto mínimo, sem predá-los, para que possam ser visitados outras vezes pelos mesmos ecoturistas, ou outros.

Entretanto, a concepção de natureza integralmente intocada é totalmente questionável para aqueles que defendem o turismo ecológico/ecoturismo, como uma maneira de preservar de forma satisfatória os recursos naturais. Pois, de alguma forma, o turista interfere no meio ambiente, seja deixando para trás o lixo (que deve ser coletado), ou interferindo diretamente na cultura local das populações que convivem de forma “harmoniosa” com os recursos naturais. Assim, o que se propõe com a idéia de ecoturismo não é solucionar um problema, mas amenizar uma relação desigual de predação que não considera a finitude dos recursos e muito menos das populações que utilizam esses recursos tradicionalmente.

O ecoturismo pode ser notado em muitas práticas aliadas e/ou relacionadas ao lazer, em diversas formas predatórias do meio ambiente, ou então em formas de uso benéficas, ou racionais, sendo como exemplos de ações predatórias: atos que vão desde a poluição dos locais visitados até ações mais perigosas como o desmatamento por fogo ou a uma forma de “expulsão consciente” das famílias residentes nesses locais de atração turísticas, uma vez que, por necessidade, vendem suas terras a grandes empresas que especulam e gerenciam a atividade turística. De outro lado, ações benéficas ao meio também podem ser notadas, como por exemplo, a utilização racional dos recursos naturais, um tipo de manejo positivo do turismo que alie o uso sustentável desses bens com a possibilidade da satisfação das necessidades das populações locais atingidas pela atividade ecoturística.

Conforme dito anteriormente, a atividade turística teve um incremento mais rapidamente, principalmente, a partir da década de 60, quando surge o chamado “turismo de massa”, ou seja, o que antes poderia ser considerado como um capricho de pessoas “ricas” – a visitação de lugares exóticos, a partir desse momento pôde ser realizado por pessoas de menor poder aquisitivo, não necessariamente para lugares muito distantes, ou menos belos, mas que foram estimuladas pela criação de financiamentos de pacotes turísticos oferecidos por agências de turismo especializadas em oferecer várias opções de visitação e muitas formas de pagamento, seja parcelado em cheques ou cartões de crédito, ou à vista com desconto. Esses foram fatores que, juntamente com a divulgação em meios de comunicação em massa e investimentos públicos e privados nas áreas de visitação, influenciaram no incremento da atividade turística nos últimos anos.

De outro modo, consideramos a relação que a atividade do ecoturismo está intimamente ligada a noção de lazer, em que percebemos que as ações realizadas nas áreas atrativas ao ecoturismo procuram se enquadrar em um conjunto de ocupações direcionadas ao repouso, diversão e entretenimento. Contudo, o repouso e o divertimento dos praticantes do ecoturismo geralmente podem ser interrompidos pelas grandes aglomerações de visitantes nos locais visitados, que acarretam alguns problemas, por exemplo: o lixo despejado pelos turistas em locais impróprios; o potente barulho dos sons nos bares e em automóveis (no caso específico dos balneários); pessoas alcoolizadas que causam transtornos; transito congestionado que dificulta ou demora o acesso aos locais de chegada, entre outros fatos que fazem com que o turista – e os moradores das comunidades receptoras, acabem ficando mais fadigados e estressados do que antes de procurar o repouso, principalmente em momentos de férias e feriados. Dessa maneira, fatos como esses fazem com que as atividades ecoturísticas praticadas em ambientes com recursos naturais atrativos, sejam consideradas como formas não-sustentáveis, insustentáveis – ou porque não dizer irracionais, que não levam ao bem-estar, tanto do morador local, como do turista que não teve seus objetivos anteriores atingidos (o repouso, o divertimento e o entretenimento).

Percepções de que a utilização dos recursos naturais não deve ultrapassar a velocidade de reposição desses mesmos recursos pela natureza permeiam toda a idéia de que o homem deve utilizar racionalmente o meio ambiente, levando em consideração que esses bens são finitos e passíveis de extinção. Nesse ínterim, o ecoturismo apresenta-se ora como uma forma racional de utilização dos recursos naturais e garantia de novas formas de renda para as comunidades receptoras, ora como mais um instrumento de degradação desses mesmos recursos. Assim, observando a grande importância das atividades turísticas no mundo moderno, tanto para o setor de entretenimento como para o setor de serviços (e o aumento da renda dos Estados, Municípios e populações tradicionais locais), devem-se considerar as vantagens e/ou desvantagens das atividades ecoturísticas para que não se torne uma atividade nociva ao meio ambiente.

Ao considerarmos a inserção de atividades de turismo sustentável ou de ecoturismo “racionais” no território paraense, essas podem servir de alternativas sustentáveis de incremento na economia daqueles municípios com atividades produtivas que estão em aparente decadência, como ocorre com o caso da atividade madeireira no Marajó, por exemplo. Nesse exemplo, é possível observar que, apesar de possuir diversos atrativos à serem visitados, o ecoturismo no Marajó ainda é pouco explorado, com algumas iniciativas no litoral do arquipélago marajoara (Soure e Salvaterra, principalmente), mas com poucas ações nas outras regiões marajoaras, como é o caso da região do Furo de Breves. Nos municípios que fazem parte do arquipélago marajoara e que não tem tradição de atividades ecoturísticas é possível implantar ações ligadas a visitação em balneários (rios e igarapés), turismo em fazendas, e em comunidades tradicionais, além da exploração do ecoturismo em Unidades de Conservação (UC), com o planejamento previsto no plano de manejo da UC.

Exemplos de sucesso que tem divulgação nacional e internacional e que podem servir de modelo para os municípios da região amazônica, que tem vocação para o ecoturismo podem ser seguidos, como é o caso de Alter do Chão em Santarém (PA), o Pantanal (MS), o Jalapão (TO), os naturais atrativos do município de Bonito (MS), ou mesmo as praias de Soure no Marajó (PA), que tiveram seus recursos naturais propagandeados em novela de repercussão nacional, que possibilitaram a diversos moradores locais se especializarem, para oferecer serviços de qualidade aos visitantes, tanto na hospedagem, quanto na alimentação e na criação de trilhas, rotas e atividades interessantes de serem visitadas. Uma das características destes locais, além da paisagem cênica atrativa, é a qualidade no serviço oferecido, que estimulam os visitantes a divulgarem o local visitado em seu retorno, para outras pessoas, mostrando a satisfação com o lugar visitado, formando assim possíveis novos “clientes”. Então, voltando aos municípios amazônicos que tem vocação para o ecoturismo, mas não estão enfatizando esta atividade, é necessário antes de tudo, planejar as atividades a serem oferecidas; mapear os pontos interessantes a serem visitados e, além de tudo isso, que o Poder Público incentive a atividade do turismo com responsabilidade, investindo na especialização da população, na melhoria na rede hoteleira e nos meios de propaganda, para gerar com isso um incremento na receita local e estimular o conceito que vem se valorizando na atualidade como “indústria do turismo”. 

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* Esse texto trata-se de uma síntese de dois artigos completos que foram publicados originalmente sob os títulos “REDIG, J.; SILVA, C. N. Unidades de Conservação e a Viabilidade do Ecoturismo: Uma Proposta de Gestão para Parques. Revista Humanitas (UFPA), v.26, p. 53-64, 2009”. e “SILVA, C. N. Turismo e sustentabilidade em praias do estuário amazônico. Revista Geoamazônia (UFPA), v.I, p.11-21, 2007”.

segunda-feira, 10 de junho de 2013

A UNIDADE DE CONSERVAÇÃO E SUA IMPORTÂNCIA: O CASO DA RESEX MAPUÁ (BREVES – PA)*

Diversos padrões “sustentáveis” surgem para tentar contornar o problema da escassez dos recursos naturais e a depredação ambiental, aliados às possíveis soluções com a necessidade de subsistência dos habitantes. Entre esses padrões, a implantação de Unidades de Conservação (UC) vem como mais uma proposta para as questões ambientais que persistem em reproduzir-se no discurso oficial, governamental e não-governamental. A criação de uma UC tem por fim a preservação de paisagens naturais, segundo seu valor cênico e a possibilidade de seu uso pelas atuais e futuras gerações, conforme enfoca os preceitos defendidos pelo dito Desenvolvimento Sustentável. Nesse sentido, a Unidade de Conservação é a nomenclatura adotada para áreas especiais sujeitas a um tipo de uso ou ocupação espacial que deve focar, normalmente, a proteção de ecossistemas únicos e com uma biodiversidade importante.

As UC são criadas conforme modelos internacionais, por meio de leis especiais e é um termo de amplitude geral, utilizado para identificar quaisquer áreas de conservação ambiental. Basicamente, na concepção do documento que legitima a criação desse tipo de área especial, essas unidades são espaços territoriais e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, quanto a sua raridade e biodiversidade; que são legalmente instituídos pelo poder público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, aos quais se aplicam garantias adequadas de proteção.

Entre os organismos que estudam e monitoram as UC podemos citar os governamentais, como o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), o Instituto Brasileiro dos Recursos Naturais e Renováveis (IBAMA), o Sistema de Proteção da Amazônia (SIPAM) e os não-governamentais, como o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (IMAZON), o Greenpeace, o Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS), dentre muitos outros. Os organismos que financiam atividades de manejo e pesquisa nessas Unidades também podem ser organizações governamentais como o próprio IBAMA, a Agência para o Desenvolvimento da Amazônia (ADA), o Programa Piloto para Proteção de Florestas (PPG7), o Banco Mundial, dentre outros ou não-governamentais, como as Fundações Natura, Boticário e Ford. Porém, apesar de todo esse amparo, nota-se a falta de apoio técnico em grande parte das Unidades implantadas no Brasil e em alguns países próximos, devido, principalmente, a falta de pessoal qualificado e de equipamentos que possibilitem aos servidores de fiscalização acompanhar as ações (i)legais que possam estar ocorrendo dentro das UC, que, na maioria das vezes tem uma extensão territorial muito grande.

Apesar de existirem órgãos responsáveis por sua fiscalização, a criação de uma UC é definida somente após consulta  a população residente ou usuária do entorno, que será atingida diretamente pela unidade a ser criada, além da necessidade de um estudo prévio, que demonstre os riscos e potencialidades da área especial pretendida. Após a realização dessas consultas públicas com as partes interessadas, definem-se critérios para a gestão compartilhada da UC, entre as instituições públicas e as associações de moradores locais ou de seu entorno, representadas por sindicatos ou outras Organizações Não-Governamentais. Desse modo, agregam-se diversos parceiros à gestão compartilhada, definindo objetivos claros para a relação da população usuária com o meio ambiente, assegurando, assim, seus direitos e a criação de regras de uso ou de estabelecimento de empreendimentos, segundo o grau de impactos que poderão ser gerados.

Segundo a legislação brasileira (como se pode observar no Sistema Nacional de Unidades de Conservação - SNUC), a criação de uma UC pode seguir dois modelos: a) de uso direto ou sustentável, onde é prevista a moradia simultânea de pessoas dentro da UC, contudo, sem que exista a utilização de atividades que degradam o meio ambiente, como por exemplo, Área de Proteção Ambiental, Área de Relevante Interesse Ecológico, Floresta Nacional, Reserva Extrativista (RESEX), Reserva de Fauna, Reserva de Desenvolvimento Sustentável e Reserva Particular do Patrimônio Natural e; b) de uso restrito ou de proteção integral, onde é proibida a habitação e a interferência humana que causem modificações ambientais significativas, excetuando-se as atividades para fins científicos, como exemplo, tem-se: Estação Ecológica, Reserva Biológica, Parque Nacional, Monumento Natural e Refúgio da Vida Silvestre.

No caso das RESEX, como a Mapuá, no município de Breves, é um modelo de UC que tem o uso sustentável direcionado ao extrativismo não predatório, ou seja, é um espaço territorial (ou área especial) protegido pelo poder público, destinado a exploração auto-sustentável de conservação dos recursos naturais renováveis, por populações com tradição no uso de recursos extrativos, regulado por contrato de concessão real de uso, mediante plano de utilização aprovado pelo órgão responsável e pela política ambiental do país. Assim, a RESEX Mapuá vem a ser um modelo ocupação que tenta relacionar Desenvolvimento econômico + Preservação/Conservação ecológica + Equidade Social, habitada por populações que utilizam tradicionalmente de forma sustentável os recursos de base extrativa para subsistência e atividade comercial de pequena escala.


A Reserva Extrativista do Mapuá foi criada no dia 20 de maio de 2005, com o objetivo de assegurar o usufruto dos recursos naturais às famílias residentes na área, sem comprometer as gerações vindouras, que segue os preceitos lidos no SNUC. É importante mencionar que o território da RESEX Mapuá possui, assim como diretriz para a criação de qualquer UC, um valor paisagistico e cênico relevante, com grande biodiversidade e um significativo potencial econômico que, aliado ao saber local, oferece condições favoráveis para implantação de atividades sustentáveis para as populações que ali residem, uma vez que as potencialidades naturais específicas dessa região, com seu rico e diversificado banco genético, oferece condições, ainda não suficientemente exploradas, para multiplicação e diversificação de empreendimentos econômicos, como atividades de artesanato, farmacológicas/medicinais, criação de animais, processamento de óleos e plantas medicinais, além de atividades ecoturísticas que podem ser desenvolvidas aproveitando as paisagens naturais desse espaço.

A imagem abaixo mostra a ocupação do solo na RESEX Mapuá para o ano de 2008, onde observamos que as características fundamentais para uma UC deste tipo, com a conservação/preservação da área natural com pouca ocupação humana.


É importante enfatizar que os moradores não podem vender ou alugar as terras da reserva, sendo que esta pertence ao poder público. Porém, o contrato de concessão de uso é valido por até 60 anos, podendo ser prorrogado por mais tempo para os herdeiros por igual período e de forma contínua. De acordo com o manual de criação de reservas extrativistas elaborado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente alguns benefícios podem ser alcançados com a criação da RESEX Mapuá, dentre os quais se podem citar:

·         Garantia do direito a terra, já que representa uma modelo de reforma agrária, que legitima a ocupação dos moradores já localizados na área de abrangência da RESEX e todos àqueles que de alguma forma mantém ligações de moradia com ela;

·         Elaboração de um contrato coletivo, assinado pelo órgão público responsável (antes o IBAMA e agora o ICMBio) e pelos moradores interessados e representados no Conselho deliberativo da RESEX Mapuá, através de Associações, Cooperativas e Sindicatos legalmente reconhecidos;

·         Instituição do Direito hereditário de uso, podendo o morador repassar aos seus descendentes o direito ao uso da terra, renovando, assim, o contrato de concessão de uso por tempo indeterminado, conforme seus descendentes requerirem;

·         Reconhecimento dos costumes da coletividade, que considera as características de uso e manejo dos recursos naturais pelas populações tradicionais, sem discriminação de sua cultura no uso tradicional dos recursos naturais;

·         Criação de condições para o estabelecimento de normas comunitárias, pois no momento em que se estabelece a criação de uma RESEX é necessário o estabelecimento de uma associação comunitária (no caso da RESEX Mapuá, esta é representada pela Associação de Moradores da Reserva Extrativista Mapuá-AMOREMA), que representa todas as comunidades localizadas no interior da UC, para que possam estabelecer formas de uso racional do solo e seus recursos, criando acordos e planos de manejo, que devem prever até normas punitivas para aqueles que não cumpram seus deveres instituidos.

Dessa maneira, a implantação de RESEX, como a do Mapuá, vem como uma proposta que atende, também, aos anseios internacionais por uma preservação ambiental, além das pretensões das populações locais, que buscam uma melhor qualidade de vida e a resolução de suas carências. Nesse caso, a RESEX Mapuá é um caso exemplar de desenvolvimento econômico, onde a conservação dos recursos naturais deve funcionar como uma estratégia econômica. Espera-se, realmente, que a reserva prime pela conservação ambiental, onde atuarão a comunidade, o IBAMA e o ICMBio no gerenciamento de projetos econômicos, que venham a dar subsídios aos moradores locais.

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* Esse texto trata-se de uma síntese de dois artigos completos que foram publicados originalmente sob os títulos “REDIG, J.; SILVA, C. N. Unidades de Conservação e a Viabilidade do Ecoturismo: Uma Proposta de Gestão para Parques. Revista Humanitas (UFPA), v.26, p. 53-64, 2009”; e “SILVA, C. N. Unidades de Conservação como proposta de sustentabilidade. Revista Cosmos (Presidente Prudente), v.2, p. 21-24, 2004”.