Diversos padrões “sustentáveis” surgem para tentar
contornar o problema da escassez dos recursos naturais e a depredação
ambiental, aliados às possíveis soluções com a necessidade de subsistência dos
habitantes. Entre esses padrões, a implantação de Unidades de Conservação (UC)
vem como mais uma proposta para as questões ambientais que persistem em
reproduzir-se no discurso oficial, governamental e não-governamental. A criação
de uma UC tem por fim a preservação de paisagens naturais, segundo seu valor
cênico e a possibilidade de seu uso pelas atuais e futuras gerações, conforme
enfoca os preceitos defendidos pelo dito Desenvolvimento Sustentável. Nesse
sentido, a Unidade de Conservação é a nomenclatura adotada para áreas especiais
sujeitas a um tipo de uso ou ocupação espacial que deve focar, normalmente, a
proteção de ecossistemas únicos e com uma biodiversidade importante.
As UC são criadas conforme modelos internacionais, por
meio de leis especiais e é um termo de amplitude geral, utilizado para
identificar quaisquer áreas de conservação ambiental. Basicamente, na concepção
do documento que legitima a criação desse tipo de área especial, essas unidades
são espaços territoriais e seus recursos ambientais, incluindo as águas
jurisdicionais, com características naturais relevantes, quanto a sua raridade
e biodiversidade; que são legalmente instituídos pelo poder público, com
objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de
administração, aos quais se aplicam garantias adequadas de proteção.
Entre
os organismos que estudam e monitoram as UC podemos citar os governamentais,
como o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), o
Instituto Brasileiro dos Recursos Naturais e Renováveis (IBAMA), o Sistema de
Proteção da Amazônia (SIPAM) e os não-governamentais, como o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (IMAZON),
o Greenpeace, o Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS), dentre muitos outros.
Os organismos que financiam atividades de manejo e pesquisa nessas Unidades
também podem ser organizações governamentais como o próprio IBAMA, a Agência
para o Desenvolvimento da Amazônia (ADA), o Programa Piloto para Proteção de
Florestas (PPG7), o Banco Mundial, dentre outros ou não-governamentais, como as
Fundações Natura, Boticário e Ford. Porém, apesar de todo esse amparo, nota-se
a falta de apoio técnico em grande parte das Unidades implantadas no Brasil e
em alguns países próximos, devido, principalmente, a falta de pessoal
qualificado e de equipamentos que possibilitem aos servidores de fiscalização
acompanhar as ações (i)legais que possam estar ocorrendo dentro das UC, que, na
maioria das vezes tem uma extensão territorial muito grande.
Apesar de existirem órgãos responsáveis por sua
fiscalização, a criação de uma UC é definida somente após consulta a população residente ou usuária do entorno,
que será atingida diretamente pela unidade a ser criada, além da necessidade de
um estudo prévio, que demonstre os riscos e potencialidades da área especial
pretendida. Após a realização dessas consultas públicas com as partes
interessadas, definem-se critérios para a gestão compartilhada da UC, entre as
instituições públicas e as associações de moradores locais ou de seu entorno,
representadas por sindicatos ou outras Organizações Não-Governamentais. Desse
modo, agregam-se diversos parceiros à gestão compartilhada, definindo objetivos
claros para a relação da população usuária com o meio ambiente, assegurando,
assim, seus direitos e a criação de regras de uso ou de estabelecimento de
empreendimentos, segundo o grau de impactos que poderão ser gerados.
Segundo a legislação brasileira (como se pode observar
no Sistema Nacional de Unidades de Conservação - SNUC), a criação de uma UC
pode seguir dois modelos: a) de uso
direto ou sustentável, onde é prevista a moradia simultânea de pessoas
dentro da UC, contudo, sem que exista a utilização de atividades que degradam o
meio ambiente, como por exemplo, Área de Proteção Ambiental, Área de Relevante
Interesse Ecológico, Floresta Nacional, Reserva Extrativista (RESEX), Reserva
de Fauna, Reserva de Desenvolvimento Sustentável e Reserva Particular do
Patrimônio Natural e; b) de uso restrito ou de proteção integral, onde é
proibida a habitação e a interferência humana que causem modificações
ambientais significativas, excetuando-se as atividades para fins científicos,
como exemplo, tem-se: Estação Ecológica, Reserva Biológica, Parque Nacional,
Monumento Natural e Refúgio da Vida Silvestre.
No caso das RESEX, como a Mapuá, no
município de Breves, é um modelo de UC que tem o uso sustentável direcionado ao
extrativismo não predatório, ou seja, é um espaço territorial (ou área especial)
protegido pelo poder público, destinado a exploração auto-sustentável de
conservação dos recursos naturais renováveis, por populações com tradição no
uso de recursos extrativos, regulado por contrato de concessão real de uso,
mediante plano de utilização aprovado pelo órgão responsável e pela política
ambiental do país. Assim, a RESEX Mapuá vem a ser um modelo ocupação que tenta
relacionar Desenvolvimento econômico + Preservação/Conservação ecológica +
Equidade Social, habitada por populações que utilizam tradicionalmente de forma
sustentável os recursos de base extrativa para subsistência e atividade
comercial de pequena escala.
A Reserva Extrativista do Mapuá foi criada no dia 20 de maio de 2005,
com o objetivo de assegurar o usufruto dos recursos naturais às famílias
residentes na área, sem comprometer as gerações vindouras, que segue os
preceitos lidos no SNUC. É importante mencionar que o território da RESEX Mapuá
possui, assim como diretriz para a criação de qualquer UC, um valor
paisagistico e cênico relevante, com grande biodiversidade e um significativo
potencial econômico que, aliado ao saber local, oferece condições favoráveis
para implantação de atividades sustentáveis para as populações que ali residem,
uma vez que as potencialidades naturais específicas dessa região, com seu rico
e diversificado banco genético, oferece condições, ainda não suficientemente
exploradas, para multiplicação e diversificação de empreendimentos econômicos,
como atividades de artesanato,
farmacológicas/medicinais, criação de animais, processamento de óleos e plantas
medicinais, além de atividades ecoturísticas que podem ser desenvolvidas
aproveitando as paisagens naturais desse espaço.
A imagem abaixo mostra a ocupação do solo na RESEX Mapuá para o ano de
2008, onde observamos que as características fundamentais para uma UC deste
tipo, com a conservação/preservação da área natural com pouca ocupação humana.
É importante enfatizar que os
moradores não podem vender ou alugar as terras da reserva, sendo que esta
pertence ao poder público. Porém, o contrato de concessão de uso é valido por
até 60 anos, podendo ser prorrogado por mais tempo para os herdeiros por igual
período e de forma contínua. De acordo com o manual de criação de reservas
extrativistas elaborado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente alguns
benefícios podem ser alcançados com a criação da RESEX Mapuá, dentre os quais
se podem citar:
·
Garantia do
direito a terra, já que representa uma modelo de reforma agrária, que
legitima a ocupação dos moradores já localizados na área de abrangência da
RESEX e todos àqueles que de alguma forma mantém ligações de moradia com ela;
·
Elaboração de
um contrato coletivo, assinado pelo órgão público responsável (antes o
IBAMA e agora o ICMBio) e pelos moradores interessados e representados no
Conselho deliberativo da RESEX Mapuá, através de Associações, Cooperativas e
Sindicatos legalmente reconhecidos;
·
Instituição do
Direito hereditário de uso, podendo o morador repassar aos seus descendentes o
direito ao uso da terra, renovando, assim, o contrato de concessão de uso por
tempo indeterminado, conforme seus descendentes requerirem;
·
Reconhecimento
dos costumes da coletividade, que considera as características de uso e manejo dos
recursos naturais pelas populações tradicionais, sem discriminação de sua
cultura no uso tradicional dos recursos naturais;
·
Criação de
condições para o estabelecimento de normas comunitárias, pois no
momento em que se estabelece a criação de uma RESEX é necessário o
estabelecimento de uma associação comunitária (no caso da RESEX Mapuá, esta é
representada pela Associação de Moradores da Reserva Extrativista
Mapuá-AMOREMA), que representa todas as comunidades localizadas no interior da
UC, para que possam estabelecer formas de uso racional do solo e seus recursos,
criando acordos e planos de manejo, que devem prever até normas punitivas para
aqueles que não cumpram seus deveres instituidos.
Dessa maneira, a implantação de RESEX, como a do
Mapuá, vem como uma proposta que atende, também, aos anseios internacionais por
uma preservação ambiental, além das pretensões das populações locais, que
buscam uma melhor qualidade de vida e a resolução de suas carências. Nesse caso, a RESEX Mapuá é um caso exemplar de desenvolvimento
econômico, onde a conservação dos recursos naturais deve funcionar como uma
estratégia econômica. Espera-se, realmente, que a reserva prime pela
conservação ambiental, onde atuarão a comunidade, o IBAMA e o ICMBio no
gerenciamento de projetos econômicos, que venham a dar subsídios aos moradores
locais.
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* Esse texto
trata-se de uma síntese de dois artigos completos que foram publicados
originalmente sob os títulos “REDIG, J.; SILVA, C. N. Unidades de Conservação e
a Viabilidade do Ecoturismo: Uma Proposta de Gestão para Parques. Revista Humanitas (UFPA), v.26, p. 53-64, 2009”; e “SILVA, C. N. Unidades de Conservação como proposta
de sustentabilidade. Revista Cosmos (Presidente Prudente), v.2, p. 21-24,
2004”.
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